vendredi 10 janvier 2014

Do you speak... alentejano?

AG: Dr. Víctor Barros, a terceira edição do Dicionário de Falares do Alentejo (Âncora Editora, 2013) escrita com o Lourivaldo Martins Guerreiro já chegou às bancas. Como nasceu este projeto? Como foi crescendo esta paixão pelos falares do Alentejo?

VB: Este projeto nasceu em 2003. Não sou alentejano, mas fui professor no Baixo Alentejo quatro anos e vivo numa localidade periférica de Lisboa (Baixa da Banheira) onde cerca de 90 % da população é originária dessa região. Porque tenho fome de palavras e um grande respeito por elas, decidi abraçar o projeto de fazer um trabalho de campo de recolha de vocabulário, com o objetivo de preservar as suas especificidades lexicais. Convidei o Lourivaldo Guerreiro, um alentejano autodidata, para me acompanhar nesta viagem. Neste primeiro estudo, não tivemos em conta as particularidades fonéticas e etimológicas. Talvez um dia as venhamos a estudar.

AG: Como é que define as características principais dos falares do Alentejo comparado com o português em geral?

VB: A língua portuguesa é relativamente uniforme. O falar do Alentejo não se afasta completamente da língua norma. No Alentejo há diversos falares, desde o falar meridional (alto alentejano, baixo alentejano, variedade de Almodôvar e Mértola) e o falar de Portalegre, mais próximo do falar de Castelo Branco. O nosso Dicionário é, por isso, um dicionário de falares e não do falar, pois há no Alentejo diversos falares. A opção por falares e não por dialetos não foi aleatória. Na esteira de Paiva Bóleo, um dos maiores linguistas portugueses do século XX, entendemos o falar como uma variedade regional da língua norma, sem o grau de coerência do dialeto, coincidente, em termos relativos com a área administrativa.

Tem, no entanto, especificidades que o distinguem do português norma e do português de outras regiões: uma fonética diferente (monotongação do ditongo [ej]) e particularidades lexicais, morfológicas e sintáticas (eu disse a ele/eu disse a ela, em vez do português padrão eu disse-lhe; o uso do gerúndio, tal como no Brasil: estou comendo); assim como uma prosódia, uma cadência característica do falar alentejano.

AG : Será que se nota uma influência da língua árabe nos falares alentejanos, ou traços de imigração ou proximidade com o castelhano que tenham mais marcado os falares do Alentejo do que o português enquanto língua norma ?

VB: As influências do espanhol notam-se sobretudo nas localidades próximas de Espanha, como Elvas ou Vila Nova de Ficalho; mas não dão origem a um falar diferente do de outras localidades alentejanas mais afastadas da fronteira. É diferente o caso de Barrancos. porque aqui fala-se um dialeto  (e não um falar) de base portuguesa fortemente marcado pelas características das falas espanholas meridionais que o penetram (aspiração do 's' e do 'z' finais, como o estremenho e o andaluz: 'cruh' (cruz), 'buhcá' (procurar)… às vezes pode faltar inclusive a aspiração: 'uma bê' (uma vez). O 'j' e 'ge',  'gi'  pronunciam-se [x] como no castelhano).

Relativamente às influências árabes, elas estão essencialmente presentes no vocabulário associado a atividades agrícolas (exemplos: alqueive, terra lavrada, em pousio; cegonha, sistema de rega) e à pastorícia (exemplos: alabão, que produz muito leite; almece, o soro do leite).

Não são visíveis marcas significativas de influências de comunidades emigrantes; até porque o alentejano, ao contrário de outras comunidades portuguesas, afirma a sua cultura e os seus valores, não se deixando facilmente aculturar.

AG : Poderia dar dois ou três exemplos de expressões que sejam especialmente belas, coloridas ou originais dos falares do Alentejo ?

VB : Por exemplo: Estar em fezes ou ter fezes, estar preocupado, ter preocupações, ter cuidados; estar de proveito, estar grávida; ser muito poucochinho, ser uma pessoa muito mesquinha; ou o vocábulo abaladiça (uma das últimas rodadas de vinho ou outra qualquer bebida alcoólica), no Baixo Alentejo.

AG : E em tudo o que diz respeito a nomes de plantas, será que há alguns nomes que possa salientar ?

VB: Sim! Vocábulos com xara (esteva, Cistus sspp.), no distrito de Portalegre, Alto Alentejo; erva-pau (salgueirinha, Lythrum salicaria), no distrito de Évora; carpeteiro (pilriteiro, Crataegus monogyna), etc.

AG : Como é que o VB contempla a evolução dos falares do Alentejo ? As suas características mais específicas irão progressivamente desaparecer sob o efeito do aumento do nível de escolarização, da urbanização, da influência dos media ? Será que palavras e expressões novas continuarão a aparecer?

VB: A língua não é uma realidade estática. Evidentemente que haverá vocábulos e expressões que irão desaparecer da linguagem do quotidiano, nomeadamente as decorrentes das técnicas agrícolas tradicionais. E outras surgirão para responder às novas necessidades. Mas isto não nos deve preocupar, pois faz parte da vida das comunidades.

No essencial, assim o julgamos, os falares alentejanos resistirão à tentativa de globalização linguística empreendida pelos meios de comunicação da capital. É importante a preservação deste património linguístico, pois são as partes que enriquecem o todo nacional. Cabe ao poder local e à sociedade civil privilegiar e incentivar o uso deste léxico, porque com o esforço de todos os que têm vontade, capacidade e saber é possível afirmar uma "individualidade coletiva". Merece ser ensinado aos mais jovens, que devem orgulhar-se da sua fala própria e, por isso, seria importante que os poderes instituídos locais o promovessem nas suas escolas e noutros espaços relevantes.

AG: Muito obrigado

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