AG: Dr. Víctor Barros, a
terceira edição do Dicionário de Falares
do Alentejo (Âncora Editora, 2013) escrita com o Lourivaldo Martins
Guerreiro já chegou às bancas. Como nasceu este projeto? Como foi crescendo
esta paixão pelos falares do Alentejo?
VB: Este projeto nasceu em 2003. Não sou alentejano, mas fui professor no
Baixo Alentejo quatro anos e vivo numa localidade periférica de Lisboa (Baixa
da Banheira) onde cerca de 90 % da população é originária dessa região. Porque
tenho fome de palavras e um grande respeito por elas, decidi abraçar o projeto
de fazer um trabalho de campo de recolha de vocabulário, com o objetivo de
preservar as suas especificidades lexicais. Convidei o Lourivaldo Guerreiro, um
alentejano autodidata, para me acompanhar nesta viagem. Neste primeiro estudo,
não tivemos em conta as particularidades fonéticas e etimológicas. Talvez um dia as venhamos a estudar.
AG: Como é que define as
características principais dos falares do Alentejo comparado com o português em
geral?
VB: A língua portuguesa é relativamente uniforme. O falar do Alentejo não
se afasta completamente da língua norma. No Alentejo há diversos falares, desde
o falar meridional (alto alentejano, baixo alentejano, variedade de Almodôvar e
Mértola) e o falar de Portalegre, mais próximo do falar de Castelo Branco. O
nosso Dicionário é, por isso, um dicionário de falares e não do falar,
pois há no Alentejo diversos falares. A opção por falares e não por dialetos não foi aleatória. Na esteira de
Paiva Bóleo, um dos maiores
linguistas portugueses do século XX, entendemos o falar como uma
variedade regional da língua norma, sem o grau de coerência do dialeto,
coincidente, em termos relativos com a área administrativa.
Tem, no entanto, especificidades que o distinguem do português norma e do
português de outras regiões: uma fonética diferente (monotongação do ditongo [ej]) e particularidades lexicais, morfológicas e sintáticas (eu disse a
ele/eu disse a ela, em vez do português padrão eu disse-lhe; o uso do gerúndio, tal como no Brasil: estou comendo); assim como uma prosódia, uma cadência característica do falar alentejano.
AG : Será que se
nota uma influência da língua árabe nos falares alentejanos, ou traços de
imigração ou proximidade com o castelhano que tenham mais marcado os falares do
Alentejo do que o português enquanto língua norma ?
VB: As influências do espanhol notam-se sobretudo nas localidades próximas
de Espanha, como Elvas ou Vila Nova de Ficalho; mas não dão origem a um falar
diferente do de outras localidades alentejanas mais afastadas da fronteira. É
diferente o caso de Barrancos. porque
aqui fala-se um dialeto (e não um falar) de base portuguesa fortemente marcado pelas características das falas
espanholas meridionais que o penetram (aspiração do 's' e do 'z' finais, como o
estremenho e o andaluz: 'cruh' (cruz), 'buhcá' (procurar)… às vezes pode faltar
inclusive a aspiração: 'uma bê' (uma vez). O 'j' e 'ge', 'gi'
pronunciam-se [x] como no castelhano).
Relativamente às influências árabes, elas estão essencialmente presentes no
vocabulário associado a atividades agrícolas (exemplos: alqueive, terra lavrada, em
pousio; cegonha, sistema de rega) e à pastorícia (exemplos: alabão, que produz muito leite; almece,
o soro do leite).
Não são visíveis marcas significativas de influências de comunidades
emigrantes; até porque o alentejano, ao contrário de outras comunidades
portuguesas, afirma a sua cultura e os seus valores, não se deixando facilmente
aculturar.
AG : Poderia dar
dois ou três exemplos de expressões que sejam especialmente belas, coloridas ou
originais dos falares do Alentejo ?
VB : Por exemplo: Estar em fezes
ou ter fezes, estar preocupado,
ter preocupações, ter cuidados; estar de
proveito, estar grávida; ser muito
poucochinho, ser uma pessoa muito mesquinha; ou o vocábulo abaladiça (uma das últimas rodadas de
vinho ou outra qualquer bebida alcoólica), no Baixo Alentejo.
AG : E em tudo o
que diz respeito a nomes de plantas, será que há alguns nomes que possa
salientar ?
VB: Sim! Vocábulos com xara (esteva,
Cistus sspp.), no distrito de
Portalegre, Alto Alentejo; erva-pau
(salgueirinha, Lythrum salicaria), no
distrito de Évora; carpeteiro
(pilriteiro, Crataegus monogyna),
etc.
AG : Como é que o
VB contempla a evolução dos falares do Alentejo ? As suas características
mais específicas irão progressivamente desaparecer sob o efeito do aumento do
nível de escolarização, da urbanização, da influência dos
media ? Será que palavras e expressões novas continuarão a aparecer?
VB: A língua não é uma realidade estática. Evidentemente que haverá
vocábulos e expressões que irão desaparecer da linguagem do quotidiano,
nomeadamente as decorrentes das técnicas agrícolas tradicionais. E outras
surgirão para responder às novas necessidades. Mas
isto não nos deve preocupar, pois faz parte da vida das comunidades.
No essencial, assim o julgamos, os falares alentejanos resistirão à
tentativa de globalização linguística empreendida pelos meios de comunicação da
capital. É importante a preservação deste património linguístico, pois são as
partes que enriquecem o todo nacional. Cabe ao poder local e à sociedade civil
privilegiar e incentivar o uso deste léxico, porque com o esforço de todos os
que têm vontade, capacidade e saber é possível afirmar uma
"individualidade coletiva". Merece ser ensinado aos mais jovens, que
devem orgulhar-se da sua fala própria e, por isso, seria importante que os poderes instituídos locais o
promovessem nas suas escolas e noutros espaços relevantes.
AG: Muito obrigado
AG: Muito obrigado
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